os desgraçados das quatro da manhã
Pronto, agora é que é: passei a engrossar as fileiras dos desgraçados que, encolhidos nos assentos do carro e a fungarem de sono, aguardam a saída das discotecas dos filhos adolescentes que não têm idade para ter carta nem maturidade suficiente para irem com os amigos para casa. Sou, portanto, mais uma daquelas pobres coitadas que têm inteligência para perceberem que é melhor dar-lhes alguma liberdade que nenhuma (para que não lhes aconteça o que acontecia às meninas de antigamente quando se livravam das freiras), mas não a inteligência suficiente para conseguirem delegar nos outros o transporte da criança, o que tem como consequência nunca acalmar o pito antes das quatro, cinco da manhã. E esta pouca inteligência que me sobra é tão, mas tão, limitada, que nem confio nas mães das amigas da miúda para a trazerem - algumas bem mais idóneas que eu - e, muito menos, nos pais, nos avós, nos tios ou nos táxis. Feita parva, acho que tenho que ser EU a estar lá às quatro da manhã, a cheirar-lhe o bafo. Basicamente, uma totó meio grogue, a tentar perceber se a roupa está toda no lugar, se a voz não lhe cambaleia, se está bem-disposta e se correu tudo bem. O que é um exercício um bocado espúrio (se cheirar a álcool ou a tabaco, faço o quê, hã? um drama?). Bom, mas isto para vos dizer que somos um grupinho digno de pena, acreditem. Para ali estamos, alguns de nós de gabardina sobre o pijama, à espera da saída das crias, quase sempre umas ingratas de má-cara porque queriam ter ficado mais uma hora porque “agora é que aquilo estava bom”. Os bocejos gigantescos, o ar desinfeliz e os quatro piscas ligados, são o santo e senha dos pais das três da manhã. Ou dos das quatro da manhã (por enquanto, pertenço à primeira leva, a dos que têm filhos entre os 13 e os 15). A hora combinada para a recolha - 3 da manhã - é tramada, porque não é carne nem é peixe e requer preparação prévia. É que não sei se estão a ver: sexta-feira, podre de cansaço, fui jantar fora e tal mas agora estou mortinha por aterrar no sofá ou no colchão. Mas não, não posso. Quando olho para o relógio já é meia-noite, daqui a duas horas tenho de estar a pé: se ponho o despertador não acordo. O terror de as crias poderem ficar na rua entregues a elas próprias e sujeitas aos selvagens da nite, leva-me a espetar palitos nos olhos e a submeter-me, nas duas horas seguintes, a uma espécie de tortura chinesa: a do ping ping infernal dos minutos. Lá para as duas, não aguento e cabeceio; até costumo sonhar um bocadinho, com pastagens verdes e bois e assim, até o despertador do telemóvel me fazer saltar o coração na boca, dando-me vontade de vomitar. Podem crer que, no momento em que me faço à estrada, estou mais bêbada do que um presidente russo; se a polícia me mandar parar, tenho a certeza que acuso qualquer coisa. Mau, muito mau. Só tenho uma coisa a dizer, sinceramente: obrigada, pai.
De
mãe a 8 de Janeiro de 2008 às 18:45
Medo, medo, muito medo...
De
Piuzitos a 9 de Janeiro de 2008 às 00:16
Tu és, sem sombra de dúvida, o meu "eu" quando tiver os meus gajos na adolescência... Quantas vezes já me imaginei nesse cenário de "cota"... Ahahahahah!... Imagino-me porque há nem tanto tempo assim era a minha Mãe que saía de casa com o kispo por cima do pijama... :)
Deliro a ler-te, a sério que deliro! Muitos o podem viver, mas tu relatas de forma única!
Lá está - estou apaixonada pelos teus blogs...
De
Isabel a 9 de Janeiro de 2008 às 10:18
aí está um tema que me interessa e preocupa muitíssimo, tenho um com quase 15 e outra com 13. Mas isso acontece frequentemente? por aqui parecem mais sossegados. E os pais tem que alinhar nisso ou podem simplesmente dizer "hoje não vais que não me apetece sair de casa às 4 da manha para te ir buscar"? Mas esses sítios não são só permitidos depois dos 16? Essa desculpa não basta para os dissuadir?
De
LP a 9 de Janeiro de 2008 às 10:27
Ai, quantos anos me faltam?
De
Eu a 9 de Janeiro de 2008 às 10:28
Lembro-me dessas andanças lá por casa. A minha mãe dentro do carro à espera, com piscas ligados, e eu cá fora, 15 minutos depois da hora marcada ou mais, porque "estava (sempre) muita gente para pagar", a lamentar não ficar mais uma hora. Mais ano menos ano estarei eu nessa situação!...
ómeudeus...
Isabel: sim, são proibidos antes dos dezasseis mas ninguém cumpre a lei, com a conivência das autoridades. As "rusgas" são sabidas pelos miúdos com dias de antecedência e, nesses dias, eles ficam em casa. Quanto a mim, uso muito o argumento "hoje não vais". Ou melhor, uso antes o "hoje vais", porque sair à noite é para ela, pelo menos por enquanto, uma excepção - só no princípio e fim de cada período, e isto se as notas estiverem de acordo.;)
"eu": lá está, eu também me lembro, daí o agradecimento ao meu querido pai....:)
"piuzitos", obrigada.
Rita: muaaaaaaaaá! (riso malvado). Vezes três, não é? :):):):)
De
Isabel a 9 de Janeiro de 2008 às 14:35
Ok, estamos em sintonia, aqui também ainda são só os fins de período... Há pouco tempo saiu uma reportagem "assustadora" acho que no Expresso. temos que acreditar que os nossos filhos são e vão continuar a ser ajuizados. Eu comecei a beber aí aos 15 anos, mas bebíamos cerveja com sumol (blec) ainda não havia shots.
A reportagem do Expresso era uma grande treta. Eu peguei na Bi e nas amigas, dei-lhes o texto para a mão e pedi-lhes que comentassem- Aguçadíssimas, todas, espertas, cheias de ironia, arrasaram com a reportagem, ponto por ponto. Uma adulta a fazer-se passar por adolescente sem a menor noção do universo destas, só podia dar numa visão truncada da realidade e exacerbada para efeitos de sensação jornalística. Além disso, bebem os que bebem, drogam-se os que se drogam: já no meu tempo era assim, agora não é pior. Tivera eu tempo e o arraso das miúdas, isso sim, dava um grande post...
A reportagem do Expresso era uma grande treta. Eu peguei na Bi e nas amigas, dei-lhes o texto para a mão e pedi-lhes que comentassem- Aguçadíssimas, todas, espertas, cheias de ironia, arrasaram com a reportagem, ponto por ponto. Uma adulta a fazer-se passar por adolescente sem a menor noção do universo destas, só podia dar numa visão truncada da realidade e exacerbada para efeitos de sensação jornalística. Além disso, bebem os que bebem, drogam-se os que se drogam: já no meu tempo era assim, agora não é pior. Tivera eu tempo e o arraso das miúdas, isso sim, dava um grande post...
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