O melhor das férias é o momento em que começam. Nessa altura, ainda estamos com a cabeça cheia de cenários românticos, fruto de delírios irreais nos quais a harmonia familiar é uma coisa que se prolonga num contínuo espacio-temporal, para nunca mais acabar. É o momento em que ainda acreditamos que vai ser desta que os compensamos do mau humor do resto do ano com um verdadeiro tempo de qualidade que, afinal, todos merecemos. Entre passarinhos e vozes celestiais, imaginamo-nos uma família bonita, saudável e feliz, a rebolar na relva com um cão lindo e a fazer desporto, como aquelas dos anúncios às margarinas vegetais, em que nenhum dos membros tem colesterol, cáries dentárias ou defeitos de personalidade. Mas a convivência forçada de várias pessoas diferentes entre si, e em que cerca de três delas - por acaso as nascidas depois de 1990 -, desfazem literalmente a paciência das outras duas, arrasa com as melhores intenções de qualquer mãe de curta memória. Além de que, cá em casa, só manteiga dos açores. E o estupor do cão rói tudo.
"Vai, Diogo, isso!, finta-me esse badocha, vá! Não, por esse lado não, cuidado com a cabeça! Ó caramelo, tu não me empurres o miúdo, pá, que eu vou aí e parto-te o trombil! Corre Diogo, finta-me esse gajo, isso, cuidado com o cigano aí da esquerda! Ai, meu deus, agora caiu… Será que está magoado? Porra! Só me apetece estrafegar aquele cabrão careca, que o rasteirou! Ah, já está de pé, ufa. Vai, dá-lhes, filho! Mas… Mas… O que é que aquele puto louro lhe está a fazer? Isso é obstrução, pá, tu larga-me o miúdo, ouviste? Mister, ó misteeer!, Então o mister não vê que aquele matulão deu uma cotovelada ao meu filho?! E não faz nada? Aquilo é anti-jogo, ou lá o que é! Mas que raio de treino é este? Ai, coitadinho, está a chorar, merda! Aguenta que a mãe já aí vai! Por onde é que se entra para o caralho do campo, será por aqui? Não, a porta está fechada, raios, vou à volta… Não, pronto, parece que já está bom, está a correr outra vez… Olha, está a chegar à baliza… Isso! Isso! Diogo, atira, manda, chuta a bola! Goloooooo! Yesssssss! Que pena só estar aqui eu a ver, pá, o puto é mesmo bom, meu rico filho! E tu toma lá ó badocha, ciganão!"