- Mãe, já sou RP do Garage!
(o Garage é a discoteca da moda para adolescentes e pré-adolescentes)
- E isso significa exactamente o quê, Beatriz?
- Significa que sou relações públicas...
(vem-me de imediato à mente a actual infestação social de merches-mayas-erre-pês-famosas, que animam festas pindéricas patrocinadas por marcas de uísques, com os seus pares de mamas siliconadas, os quais acabam por destapar em revistas masculinas de baixo orçamento, orgulhosas do “trabalho fotográfico”, que ficou “muito bonito e natural”, e temo continuar a conversa)
- E?...
- Oh mãe, é bestial! O não-sei-quantos dá-me uma série de convites que têm o meu nome na parte de trás. Eu distribuo-os pelos meus amigos e, por cada dez que entrarem, recebo dez euros. Se só entrarem nove não recebo nada. Mas o melhor é que posso ficar à porta a controlar quem entra e quem não entra – e eu é que decido! Por exemplo, no outro dia estava uma grande confusão à entrada e a minha amiga M.B. de repente levou um apalpão de um rapaz que estava lá num grupo armado em parvo. Como ela também é RP, olha, não entrou nenhum!
(ar triunfante)
- Mas… mas… apalpões?! E deixam-vos ficar à porta, a vocês, miúdas, a controlarem a entrada de brutamontes bêbados?!
(ar condescendente e levemente entediado)
- Mãe, aquilo são só rapazes parvos, damos-lhes um grito e ficam logo em sentido... Ah!, e outra coisa: podemos circular livremente no garage bus, que faz o percurso entre o Garage e a Botica.
(a Botica é um bar manhoso na zona de Santos que caiu no goto de TODOS os adolescentes de Lisboa e arredores. Assim, enquanto os da vizinhança estão às moscas, pela rua em frente ao primeiro estendem-se centenas de miúdos que são enganados com shots aguados e sangria aldabrada, que os fazem vomitar sem sequer terem tido o prazer de ficarem bêbados primeiro. Os espertalhões do Garage, percebendo que a distância a percorrer entre a Botica e a discoteca - em Alcântara – desanimava os menos afoitos, criaram um autocarro que leva e traz comodamente os teenagers inconcientes, que assim não gastam o dinheiro todo no mesmo sítio)
- E qual seria a vantagem de passares a noite de um lado para o outro a andar de autocarro em vez de estares na discoteca a dançar?!
- Ora, porque ali posso também controlar quem entra e sai, ajudar o motorista no caso de alguém se sentir mal ou fazer algum disparate, etc.
(Portanto, à conta dos miúdos de 15 anos, os donos do Garage dispensam publicidade e distribuição, poupam na contratação de matulões para profissões de risco como porteiros da noite, guarda-costas e pica-bilhetes em horário nocturno, e ainda ganham enfermeiras e baby sitters dedicadas, que trabalham de graça e em trânsito)
É claro que, para uma control freak como a minha filha (a quem sairá? não imagino…), a perspectiva de ser RP, a ideia de ser o supra sumo social que convida ou deixa de convidar, que deixa ou não entrar; a perspectiva de mandar em tudo e em todos, de encaminhar uns para a esquerda e outros para a direita, é o paraíso na terra e o resto não interessa nada.
- Então e o dinheiro, quem é que vos paga quando metem lá dentro uma data de gente? Até agora, quanto é que ganharam as tuas amigas que já são RP há mais tempo?
- Oh mãe, ainda não fizemos contas com o P.M. (leia-se: o explorador-infantil-chulo-mor), por isso ainda nenhuma recebeu nada, mas podemos entrar de graça e frequentar a zona VIP!
(e eu a pensar que, no meu tempo, às raparigas – ainda por cima às giras, como eu… cof cof… – quase que pagavam para que entrássemos)
- E isso da zona VIP é o quê?
- É uma varanda.
- Ah.